A divisão do estado do pará – para que e para quem?

Amazônia, novembro de 2011.

Tratar do tema sobre a divisão do estado, nos remete a aprofundar o debate sobre o modelo de sociedade que vivemos, a sociedade capitalista. Esse modelo de sociedade tem na sua essência a lógica no funcionamento a partir da exploração da força de trabalho, da apropriação dos recursos naturais, da mercantilização de toda e qualquer forma de produto, visando basicamente o lucro para poucos, em detrimento da miséria da maioria. Qualquer alteração nesse modelo, a partir de quem comanda esse projeto, será no intuito único e exclusivo de garantir maior acumulação e controle privado dos meios de produção. Isso pode ser constatado na essência da conjuntura de todos os ciclos desse modelo, que se tornou hegemônico a nível mundial, na chamada economia globalizada.
            Este modelo de desenvolvimento criou as bases para a exploração de toda e qualquer matéria-prima e a exploração da mão-de-obra. Com a implantação das culturas, a terra e o trabalho também passam a ter dono/proprietário. De um lado surgem os grandes latifúndios, a partir da entrega das sesmarias aos senhores; de outro lado, a intensificação do uso da mão-de-obra escrava, impossibilitando o acesso dos trabalhadores às terras. Portanto, o modelo agro-exportador, com uma economia voltada para atender as demandas dos países desenvolvidos, serviu de base para a conquista de novas terras, a formação do latifúndio, o trabalho escravo e a acumulação privada do capital, bem como dos recursos naturais com o uso intensivo das terras, extrativismo mineral e degradação ambiental. A economia brasileira, nos primeiros quatro séculos, esteve predominantemente voltada ao atendimento da demanda externa, sem que houvesse preocupação efetiva em orientar a produção para a satisfação das necessidades essenciais da população do país. Em suma, uma economia primária, voltada para fora e comandada de fora, ao sabor dos interesses do latifúndio e do comércio exportador e importador, cuja aliança domina a sociedade submissa e imponente.
            Com o avanço das forças produtivas e o surgimento de uma elite industrial, um novo ciclo de expansão do grande capital se fortalece a nível mundial, com os países do chamado grupo de primeiro mundo comandando esse processo, e lançando suas bases para os paises que não se encontram nesse grupo. Esse processo de industrialização da economia lança uma imensa massa de camponeses para as fábricas, coloca o campo a serviço da indústria e acima de tudo, industrializa o campo. No caso do Brasil, centros industriais são erguidos e as demais regiões são colocadas sob seu interesse, para fornecer a matéria prima para a indústria. O modelo de desenvolvimento se diferencia de região para a região, umas com a tarefa de produtoras e fornecedoras de matéria prima, outras com uma maior capacidade industrial.
            Além disso, esse mesmo Estado garante a grupos industriais, bancos, ruralistas, o controle e domínio da terra, da água, minérios, dos recursos naturais, seja nesses territórios industrializados, como também nas demais regiões marginais e esse processo. No último período, nota-se uma intensa mercantilização das coisas, das pessoas e de tudo que pode gerar lucro. Não existem mais recursos naturais, a serviço das demandas do povo, mas sim, mercadorias que entram na engrenagem capitalista. A terra, água, energia, florestas, animais, a cultura, a identidade, o ar, tudo, mas tudo mesmo, é visto sob a ótica econômica, ou seja, quanto se pode ganhar com isso. Grandes grupos econômicos, de esfera nacional e internacional acumulam, lucram, dominam e garantem a hegemonia desse modelo capitalista, avançando cada vez mais sobre territórios com riquezas ainda a serem exploradas. Para isso, não respeitam nada e ninguém, utilizam esse Estado Burguês para garantir a acumulação privada, e sobre tudo, modificam de forma violenta a concepção de vida, desenvolvimento humano, ambiental, cultural. Ressignificam conceitos para legitimar esse processo de acumulação e lucro.

A Amazônia nesse contexto
Esse modelo hegemônico lança seus tentáculos para os diversos territórios existentes. A Amazônia sempre foi e continua sendo na visão do capital, uma imensa região com fartos recursos naturais (água, terras, minérios, biodiversidade, madeira...) que são uma reserva de grandes investimentos. Todas as políticas pensadas para a região vem de fora, mas comandadas/gerenciadas por elites agrárias, bancos, indústrias, que estão enraizados aqui ou não. Outra vez, o Estado garante todo esse processo. Esses grandes grupos, ora brigam entre si, ora se aliam para garantir seus negócios. Buscam o controle do parlamento, do executivo, do judiciário, a mando de seus interesses. Ou seja, a divisão do território já foi realizado pelo capital nessa região, e escolheram uma classe governante que em sua maioria controla e garante esse modelo de desenvolvimento para a região. Quem se atravessa nesse processo é ameaçado, criminalizado e até mesmo exterminado.
Essa visão da Amazônia como uma grande fonte de recursos naturais pode ser entendida sob a visão internacional, assim como, na perspectiva da visão nacional. Ambos tem uma visão de que essa região é um grande quintal, que deve servir aos seus interesses, onde se pode saquear, destruir, matar, a mando de um desenvolvimento da região, que não existe de fato. Citam inclusive que é uma terra de ninguém, sem povo e atrasado.
            Nessa atual conjuntura, 5 grandes frentes de expansão do capital se encontram enraizadas na região: o desmatamento somado a indústria do carvão, o agronegócio junto com a pecuária, a mineração, a energia hídrica e os agrocombustíveis e da biopirataria. Nessas frentes se encontram desde os latifúndios mais atrasados, que só na região norte detém 16.452 grandes propriedades improdutivas, totalizando mais de 116 milhões de terras improdutivas, até setores altamente industrializados e competitivos, principalmente nas áreas de energia e mineração. Podemos também notar a incorporação de terras principalmente nas mãos de bancos, como é o caso na região do Carajás, onde o banqueiro Daniel Dantas detém milhares de hectares de terras e reservas minerais. Segundo as informações de um funcionário da Superintendência do Incra de Marabá, a região onde se projeta a futura capital do estado do Carajás, localizada entre os municípios de Eldorado dos Carajás, Xinguara, Sapucaia e Rio Maria, as terras estão nas mãos do grupo Santa Bárbara, de Daniel Dantas. Com informações privilegiadas garantiu a posse dessas terras. A especulação que vai se dar em torno dessas e a valorização das mesmas se concretizar esse processo, vai garantir milhares e milhares de reais a mais nos bolsos desse grupo. São essas frentes que ditam, controlam e comandam a lógica de funcionamento dessa região. Atuam para dentro dos governos, comandam a grande mídia, e assumem historicamente o papel de propulsores dessa economia, sob a lógica anteriormente tratada.
            E como não falar das mudanças atuais propostas no código florestal brasileiro, pressionando para intensificar a legalidade do corte de madeira inclusive na Amazônia. Novos projetos de lei que garantem a concessão expressa das licenças ambientais de grandes projetos em todas as áreas, a exploração de minérios em terras indígenas, a alteração do regime da administração das áreas de preservação e a construção de hidrelétricas associadas a construção de grandes eclusas para a efetivação das hidrovias. São mais de 212 bilhões de reais a serem investidos nas áreas de energia, minérios e transportes até 2020 na região Amazônica. Todos esses projetos de alterações das leis estão previstas para essa lógica de desenvolvimento a partir da visão de fora, na perspectiva do grande capital. E o Estado mais uma vez, planeja, financia, normatiza e em alguns casos constrói esses projetos. Os governos tem servido como uma correia de transmissão a serviço dessa lógica desenvolvimentista.
            E o povo nesse contexto, o que tem feito? A primeira impressão que dá é que nada foi feito para impedir essa lógica de usurpação desse território. Uma coisa é certa, o processo de degradação humana, empobrecimento, perca da cultura, do território, mutilou sonhos, matou pessoas, expulsou trabalhadores e trabalhadoras para a periferia de cidades que padecem de uma infra-estrutura adequada. Em poucos anos, o capital conseguiu transformar palavras como o desenvolvimento, sustentabilidade, progresso, água, terra em palavras com conteúdo unicamente voltadas para o lucro. Essa nova hegemonia de pensamento se torna unânime na sociedade.  Mas outra coisa é certa, muitas lutas de enfrentamento já foram feitas e continuam na conjuntura atual. Não dá para deixar de falar do movimento da Cabanagem, que em 1835 escreveria a história dos mais pobres nessa região. As lutas indígenas, a luta contra Belo Monte, a luta de posseiros, ribeirinhos, dos sem terras e assim por diante, são sinais vivos dessa resistência.

O quem tem por detrás da divisão dos estados.
Primeiro reafirmar o pressuposto de configuração desse modelo tratado anteriormente. Esse aspecto já pressupõe de imediato que esse projeto de divisão do estado do Pará, nesse momento, sendo configurado por essa mesma elite local, nacional e internacional, tende a fortalecer a ideia de que é mais um projeto que não serve para a classe trabalhadora, mas sim, para uma classe que quer se fortalecer e se consolidar na região. Mas vamos avaliando esses aspectos para conseguir fazer uma análise mais profunda.

1- para o grande capital, nos parece que não necessita dessa nova divisão. Uma pelo fato de que eles já conseguem controlar as estruturas do Estado, dos governos, setores do poder judiciário, grande parte do parlamento, meios de comunicação de massa. Já possuem uma garantia de continuar explorando a região, os recursos naturais, com verbas e incentivos públicos. Na avaliação, não vão se inserir de cara nesse processo, para não criar um mal estar com os setores que não querem a divisão, bem como, nesse último período o Estado tem bancado os grandes grupos econômicos com incentivos financeiros, para superar a crise. Tirar dinheiro do Estado nesse momento para bancar toda essa nova estrutura significa ficar com menos recursos para continuar bancando essa lógica.

2- quem está a frente dessa campanha, são setores de partidos políticos, madeireiros, grandes comerciantes, grileiros, latifundiários, uma burguesia regional parasitária. Usam de discursos inflamados de abandono das regiões, pouca presença do Estado, pretensas diferenciações culturais, de desenvolver e resolver os problemas da região. Na região do Tapajós podemos verificar políticos como Lira Maia, do DEM, como futuro candidato a governador, Maria do Carmo, atual prefeita de Santarém para senadora. Em outros tempos, adversários políticos, hoje, juntos nessa bandeira da divisão do estado. Não é tamanho do estado que define seu grau de desenvolvimento econômico e social, mas sim, o modelo econômico social de desenvolvimento. A bandeira do sim para esse grupo de políticos é importante também para as próximas campanhas, já no ano que vem para prefeito. Nesses novos estados, adotar a linha contrária significa perder votos. Na região metropolitana de Belém, a bandeira do não também garante a governabilidade desses mesmos políticos.
3- Vejamos a tabela abaixo como ficaria a conformação dos novos estados

Estado
área
habitantes
PIB
PIB per capita
Nº de senadores
Deputados federais
Deputados estaduais
Pará
224.631 km²
4.555.000
31,5 milhões
7.135,00
3
12 a 14 (hoje tem 17)
39 (hoje tem 41)
Tapajós
736.732 hm²
1.300.000
6,4 milhões
5.481,00
3
8
24
Carajás
296.620 km²
1.655.000
19,6 milhões
12.508,62
3
8
24


A partir dessa tabela com esses números, algumas análises:
- aumentam o número de senadores e deputados federais para essa nova região, e que vão competir em número com outras regiões do país que tem mais poder de mando do que essa região. Não é portanto uma briga somente a nível de estado. Sem contar que o estado do Pará vai perder vagas;
- Carajás apresenta o maior PIB per capita, mas isso não significa melhores condições de vida. Ela está entre as cidades mais violentas do país. São mais de 600 assassinatos de trabalhadores nos últimos 30 anos. Somente em 2010, foram 18 trabalhadores assassinados no campo. Isso sem contar a violência urbana.
- Tapajós ficaria com a maior parte de seu território entre áreas de preservação e áreas indígenas. Alguns políticos afirmam que viabilizariam o Estado com o turismo. Mas se a tendência apresentada anteriormente, onde o capital se movimenta para as mudanças no código florestal brasileiro, a liberação expressa das licenças ambientais, alteração do regime de administração das áreas de preservação, exploração de minérios em áreas indígenas, construção de barragens e eclusas para as hidrovias, prova que não vai ser o turismo que vai alavancar a economia do estado de Tapajós, mas sim a frente de expansão da madeira e o agronegócio. Ou melhor, esse projeto já vem sendo implementado. Nesse cenário, ganham força a construção do complexo de barragens no rio Xingú, e o complexo de hidrelétricas no rio Tapajós. Já existem estudos que mostram a logística de escoamento da produção de soja e outros produtos desde o Mato Grosso, via bacia do Rio Tapajós, com menores custos e maior competitividade. Segundo a ANEC (Associação nacional dos exportadores de cereais), tem-se um custo de transporte no Brasil de U$$ 85,00 e EUA e Argentina possuem um custo de transporte de U$$ 20,00 e U$$ 23,00 respectivamente. Com essa nova logística sendo pensada com as hidrovias, esse custo de transporte na região vai se igualar ao dos EUA e Argentina.
- segundo estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o estado do Tapajós gastaria por ano, 2,2 bilhões de reais em custos de manutenção dessa estrutura, 51% do PIB. O estado do Carajás teria um custo anual de 2,9 bilhões de reais, 23% do seu PIB. Levando em consideração a média nacional que é de 12,72%, esses estados dependeriam de recursos federais para poder sobreviver. Esses dois estados teriam um déficit anual de 2,16 bilhões de reais.
- do ponto de vista de número de eleitores, a região metropolitana tem a maioria. Até que ponto esse dado pode influenciar na decisão, quando há um debate rebaixado na sociedade, tanto em favor do sim, como também do não.

4- mas há diferenças históricas entre os dois projetos de Carajás e Tapajós. O primeiro é capitaneado por uma elite econômica nova e poderosa, que quer gerir os recursos minerais e a forte agropecuária da região. A segunda tem maior legitimidade, pois nasceu há 150 anos, mas carece de maior poderio econômico. Contra ambos estão empresários e políticos da região metropolitana de Belém, que não aceitam perder 86% da área e 44% do PIB.

5- Há um rebaixamento do debate na sociedade. De um lado há números sendo apresentados de que se tem mais de 20 milhões para gastar em favor do sim somente na região do Carajás. Somente um empresário do ramo de lojas, teria doado mais de 5 milhões para a campanha do sim. Do outro lado, na campanha do não, estudantes, movimentos sociais e algumas entidades de classe, vivem com poucos recursos e com trabalho voluntário. Os argumentos levantados pelos oportunistas de plantão, de que o problema é que tudo vai para Belém (dá a impressão que o povo da região metropolitana vive bem), que o centro do governo está distante, região abandonada, que a riqueza gerada nas regiões pode mudar a vida do povo não se sustenta. Mas o senso comum na sociedade construída por essa burguesia regional parasitária, é para a divisão do estado. Porém, muitos trabalhadores, calejados de tanta mentira e nada de mudanças, já sabem que é mais uma forma de manter os mesmos ganhando dinheiro às custas do povo.

6- a verdade é que muito pouco ou quase nada vai mudar para a melhoria de vida do povo, por que vivemos num país federalizado onde as políticas são definidas no planalto central, pelos blocos econômicos. Qual vai ser o poder de decisões desses novos estados?

7- E por fim, teriam os novos estados coragem para atacar de fato a raiz do problema, ou a simples cobrança devida de impostos pelo que é saqueado desses territórios pelas grandes empresas, e investirem em políticas públicas para a população? Só a Vale remete mais de 70% de seus lucros para fora do país. Teriam coragem de questionar a Vale? O problema não é ter estados menores, se fosse essa a saída, estados como o Acre, Santa Catarina, a maioria dos estados do nordeste brasileiro, estariam se deliciando da boa condição de vida. Mas não é essa a realidade, vivem em situações semelhantes as que vivemos.

Não a divisão do Estado do Pará e a luta por melhores condições de trabalho, distribuição da renda e da riqueza para os trabalhadores e trabalhadoras, por uma sociedade sem classes, uma nova ordem social e política. 
“A história da humanidade é a história de luta de classes”.

Rogério Paulo Hohn
Militante do MAB

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