DECLARAÇÃO SOBRE O ATUAL MOMENTO DA SECA NO SEMIÁRIDO
À Presidenta Dilma Rousseff
Todos
estes processos e muitos outros realizados e implementados no Semiárido pelas
experiências de fundos rotativos solidários, pela economia solidária, pelos
intercâmbios entre agricultores pelas experiências variadas oriundas da
criatividade dos agricultores, foram, gradativamente se tornando a base para
que os agricultores do Semiárido se tornassem cada vez mais sujeitos de sua
história.
A ASA se
vê na construção desta caminhada diferente, participando de muitos destes
processos mesmo com críticas aos mesmos, buscando promover a partilha no lugar
da concentração, disseminando as pequenas obras em contrapartida aos projetos
faraônicos, valorizando o camponês enquanto sujeito protagonista, portador de
direitos, responsável por sua própria libertação, desencadeando outro tipo de
desenvolvimento, sustentado e sustentável, que tem por fundamento a
participação, a organização, a educação e o empoderamento das pessoas.
I
– Ações emergenciais e o cuidado cidadão.
1. Abastecimento
imediato e contínuo das cisternas com água tratada distribuída gratuitamente
pelas empresas públicas estaduais e municipais de abastecimento de água e/ou
exército. Onde não for possível abastecer com água tratada, que seja
acompanhada de hipoclorito para que as próprias famílias possam fazer em casa a
filtragem e o tratamento. As cisternas, efetivamente, assumem duas funções:
armazenar água das chuvas e ser recipiente de armazenamento e reivindicação de
água por parte da população quando não chove.
II
- Ações Estruturantes
A convivência com o
Semiárido que, aos poucos, vai transformar a região numa terra próspera e
feliz, não se concretiza e realiza através de ações emergenciais. Estas são
importantes, mas passageiras. Os olhares devem estar voltados para as dimensões
estruturantes. Neste contexto de seca e sabendo, igualmente, que outras virão e
que a história cobrará de nós quais providências tomamos para uma melhor
convivência com o clima, conclamamos os poderes públicos a:
1. No
campo da captação da água.
a) Continuidade
imediata do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e do Programa Uma Terra e
Duas Águas (P1+2), da ASA, e início imediato das ações de cisternas de consumo
humano e de produção contratadas entre o MDS e os Estados. Não se justifica
que, havendo recursos disponíveis, como é o caso, os Estados e consórcios
municipais posterguem indefinidamente o início destas atividades que dotarão
milhares de famílias de estruturas essenciais à convivência com o Semiárido.
2. No
campo do acesso à terra.
O processo da seca não
se manifesta apenas na questão da água. Ele se manifesta e se agudiza na
concentração da terra. Em momentos como este que vivemos se nota, com exímia
clareza, a diferença no processo de convivência, entre uma propriedade maior e
uma mini, como a maioria do Semiárido.
Uma propriedade maior,
que ao menos se aproxime do módulo fiscal de 70 hectares previsto em Lei, tem reservas
alimentares humanas e para animais, pode ter variadas modalidades de
armazenamento de água, plantios e criatórios diversificados e assim conviver
melhor. Uma propriedade com dois hectares ou pouco mais, como a maior parte do
Semiárido, se vê forçada a diminuir seus animais para não morrerem, consome
rapidamente suas reservas de água e alimentos, consome suas sementes, morre.
Conviver com o
Semiárido é ter acesso à terra e nela viver bem.
3. No
campo da assistência técnica e crédito.
A erradicação da
miséria (ousado e essencial programa da Presidenta Dilma), a convivência com o
Semiárido e a vida digna neste espaço andam de mãos dadas.
Estruturalmente
precisamos de uma assistência técnica sistemática, constante e processual, em
moldes e metodologias agroecológicas, que resgatem e respeitem os saberes dos
agricultores e com eles construam os novos conhecimentos necessários para a
mudança da realidade do Semiárido.
Este comportamento está
desestruturando as organizações e afastando da assistência técnica centenas de
pessoas que muito teriam a contribuir na lógica da convivência com o Semiárido
e que poderiam, neste momento, estar atuando com mais afinco no socorro aos
agricultores, inclusive, para que eles possam acessar melhor as políticas
existentes.
O crédito, por sua vez,
precisa ser cada vez mais adequado à convivência com o Semiárido e dimensão
agroecológica, fugindo da linha hoje predominante de cadeias produtivas.
4. No
campo da comercialização, venda de produtos e bancos de sementes.
As experiências do PAA
e PNAE em muito contribuíram, até hoje, para fortalecer as infraestruturas
produtivas das unidades familiares e autonomizar a agricultura familiar. São
inúmeras as famílias agricultoras que isso testemunham e que, por esta razão,
hoje estão fora da miséria e melhor convivendo com o Semiárido. Faz-se
necessário, assim, ampliá-las, em especial nas modalidades executadas
diretamente com as famílias e associações comunitárias.
Outro instrumento
importante que necessita ser potencializado são as feiras locais, nas quais os
agricultores familiares vendem seus produtos, garantindo, assim, o escoamento
dos mesmos. O Semiárido e seus agricultores ainda se ressentem de uma linha de
crédito para aquisição de equipamentos para estruturação destas feiras.
Estruturar casas
comunitárias de sementes e apoiar a aquisição, armazenamento e distribuição de
variedades locais são também medidas essenciais para a autonomização e
sustentabilidade da agricultura familiar e a garantia da segurança alimentar e
nutricional.
A ASA
conclama todas as suas entidades e técnicos/as a que, com mais veemência,
determinação e afeto, possam dar conta das ações que estão a nosso encargo na
ampliação da rede de captação e distribuição de água, na dinamização de bancos
de sementes, em estar a serviço dos agricultores informando-os das políticas e
medidas a que têm direito neste momento de seca, assim como a fazer o controle
social da boa aplicação dos recursos públicos destinados ao seu socorro e,
assim, continuando a construção da convivência com o Semiárido. A grande
capilaridade de nossa rede estará, mais do que nunca, a serviço dos
agricultores e agricultoras familiares.
Cientes do forte papel das organizações sociais sem as
quais as mudanças e as grandes conquistas não se efetuam, conclamamos todos os
movimentos e organizações sociais do Semiárido Brasileiro para fiscalizar e
denunciar candidatos/as que fizerem uso eleitoreiro de carros pipa ou quaisquer
outros benefícios que as famílias tenham direito de acessar.
Conclama
também os poderes públicos a que, deixando de lado a burocracia asfixiante que
impede o Governo de agir com rapidez e eficiência, possa estar a serviço dos
que sofrem, velando para que os recursos sejam bem aplicados e, em nenhuma
hipótese, possam ser eleitoreiramente utilizados, ressuscitando práticas
hediondas que povoam a nossa história.
Conclama
todos os cidadãos a que, olhando criticamente o fenômeno da seca, nele não
localizem miseráveis, incapazes, esmoleres e recebedores de nossa compaixão e
doação do supérfluo, mas cidadãos que sempre tiveram seus direitos negados
durante séculos e que, não obstante, lutaram e estão conseguindo implantar no
Semiárido a política da convivência, que faz desta seca uma seca diferente.
O
Semiárido não precisa de bondade. Precisa de justiça, solidariedade e de que os
direitos de seus filhos e filhas sejam respeitados.
Deste
modo, o que o Semiárido quer é a continuidade e aprofundamento da política de
convivência com o Semiárido e de que seja cada vez mais afastada e erradicada a
política de combate à seca.
Coordenação
Executiva da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA)
Aos governadores dos Estados
no Semiárido Brasileiro
Aos Prefeitos Municipais
À População Brasileira
“A luta contra a miséria
e a fome tem dupla dimensão: a emergencial e a estrutural. A articulação entre
as duas dimensões é complexa e cheia de astúcias. Atuar no emergencial sem
considerar o estrutural é contribuir para perpetuar a miséria. Propor o
estrutural sem atuar no emergencial é praticar o cinismo de curto prazo em nome
da filantropia de longo prazo”. (Betinho)
O Semiárido brasileiro
neste momento está mergulhado em uma das secas mais cruéis e devastadoras dos
últimos 30 anos. Da chegada dos portugueses aos dias atuais, já se somam 72
grandes secas com características similares.
As secas são previsíveis e
seus efeitos sobre a população são extremamente graves com consequências em
todos os setores da região. Quadro que não é nenhuma surpresa para quem conhece
a história e realidade do Semiárido brasileiro.
Estamos diante de um momento
extremamente grave de longa estiagem, uma das maiores e mais intensas das
últimas três décadas, que deverá se prolongar até 2013. Em situações como essa
os grandes proprietários têm prejuízos, mas os sem terra e pequenos
agricultores são os que mais sofrem perdas que colocam em risco as suas vidas,
a de seus rebanhos e suas reservas de sementes e alimentos.
Mais de 500 municípios
encontram-se em estado de emergência. As plantas cultivadas no entorno das
casas, quintais produtivos, estão morrendo, os rebanhos dizimados e as reservas
de sementes, organizadas em casas e bancos comunitários ou familiares, correm o
risco de desaparecer frente à necessidade de alimentação da população. Desde o
ano passado não chove o suficiente para acumular água nas cisternas para
consumo da família e para a produção.
O quadro atual é grave! Há que
se priorizar o socorro imediato às famílias que estão sem água, mas há a mesma
urgência em investir em ações estruturantes para que essas famílias possam
enfrentar os períodos de longa estiagem, cíclicos e previsíveis, sem passar
fome ou sede.
No Brasil e no Semiárido, as
secas sempre foram oportunidade fértil para as oligarquias aumentarem suas
posses de terras, se locupletarem dos recursos públicos, conseguirem, com
recursos públicos, obras vultosas e caras para beneficiar suas propriedades e
de seus comparsas políticos, enraizarem seu poder político à custa da miséria
da população, exposta em filas à busca de gotas de água e migalhas de
alimentos. Aliado a este quadro, as secas expulsam de suas terras e de seu
torrão natal centenas e milhares de cidadãos do Semiárido, que se tornam
errantes na busca e na esperança de melhores dias.
A oligarquia e os políticos
dela oriundos e a ela ligados sempre explicaram este fenômeno como algo de
responsabilidade da natureza, esquecendo-se, intencionalmente, das decisões
políticas deles próprios e dos governantes. Creditam, assim, à natureza, aquilo
que é responsabilidade e resultado das decisões políticas.
Esta seca, no entanto, embora
ainda mantenha enraizadas muitas destas mazelas e injustiças, traz consigo
outro viés que tem tornado a população mais capaz de resistir, de ser cidadã e
deixar de ser manipulada.
Efetivamente muitas políticas
e programas se espalham pelo Semiárido, tornando-o, de certo modo, diferente,
mais humano, mais adequado à convivência com o clima e suas intempéries.
Evidentemente nem todos os programas oficiais a que nos referimos se revestem
de características de convivência com o Semiárido, mas todos eles dão sua parte
para a garantia mínima da dignidade das pessoas. Eis alguns exemplos:
a) O
bolsa família, acrescido do bolsa estiagem, enquanto ações emergenciais, tem
desempenhado papel chave na alimentação das pessoas, sem que para isso
necessitem de engordar filas de miseráveis, mendigando alimentos que, mesmo
adquiridos com recursos públicos, eram distribuídos por prefeitos, vereadores e
cabos eleitorais, reforçando seu (deles) poder político.
b) A
extraordinária malha de captação de água construída no Semiárido através das
cisternas, quer sejam elas da ASA, do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS), dos Governos Estaduais e Municipais, da Fundação Banco do
Brasil e de vários outros atores e parceiros; esta malha armazena milhões de
litros de água outrora literalmente desperdiçados.
c) A
malha de captação e distribuição de água para produção e dessedentação de
animais, cisternas calçadão, barragens subterrâneas, tanques de pedra,
barreiro-trincheiras, bombas d’água popular, outros, financiada quer pelo poder
público, quer por várias parcerias.
d) As
adutoras e processos semelhantes de abastecimento da população.
e) A decisão
da Presidenta da República de universalizar o acesso à água para todos os
cidadãos do Semiárido, o que implica, entre outras medidas, na construção de
quase 700 mil cisternas.
f) As
ações do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e de compra da alimentação
escolar (PNAE), que aos poucos estrutura propriedades, criou e enraizou bancos
de sementes e processos os mais variados de armazenamento de grãos e sementes.
g) O
crédito destinado à agricultura familiar e os processos de assistência técnica,
aumentados significativamente nos últimos anos, embora ainda carentes de uma
adequação mais radical à realidade do Semiárido e Agroecologia.
h) Os
processos agroecológicos implementados especialmente devido à teimosia de
organizações não governamentais e iniciativas locais.
i) O
Seguro Safra.
j) As
linhas de crédito oficiais para a seca, anunciados e já em implementação nas
regiões e que aumentam a capacidade dos agricultores de resistir e conviver com
o Semiárido, manter vivos seus animais, reestruturar suas propriedades.
Isso, no entanto, se expressa
melhorias, ainda está longe de ser suficiente. Ao contrário, assistimos
constantemente uma luta dialética entre a proposta de convivência com o
Semiárido, que diríamos estar na raiz das ações que refletimos acima, e
daquelas de combate à seca, responsáveis pela miséria implementada do Semiárido
e pela concentração das riquezas.
Diante
desse quadro, a ASA vem a público refletir e propor o que se segue:
2. Cuidado
cidadão para que este abastecimento, feito enquanto direito e com recursos
públicos, não se torne instrumento de manipulação política e de enriquecimento
ilícito. Infelizmente já há sinais de que esta prática não foi extinta, dado
que começa a se manifestar e atuar em determinados espaços e municípios.
3. Conclamamos
todas as nossas comissões municipais de água para que realizem o controle
social destes processos e denunciem os desvios para a devida punição.
4. Apelamos
aos Ministérios competentes para que instituam disque denúncia por onde os
cidadãos possam denunciar estas práticas e para o Supremo Tribunal Eleitoral no
sentido de estabelecer uma Campanha: “NÃO TROQUE SEU VOTO POR ÁGUA. ÁGUA É
DIREITO SEU”. O Brasil tem o dever ético de não consentir que as medidas de
emergência e socorro às pessoas se transformem em instrumentos de manipulação e
desvirtuação das eleições.
5. Abastecimento
das cisternas calçadão e outros instrumentos de armazenamento de água visando
fundamentalmente a dessedentação animal.
6. Controle
das irrigações, de modo especial daquelas mais predadoras.
7. Liberação
imediata dos créditos especiais no sentido de dotar os agricultores de
capacidade de alimentar seus animais e manter suas propriedades e negociação
dos débitos pendentes, se necessário.
8. Cuidado
todo especial para que os créditos liberados não sejam sempre e continuamente
aqueles maiores e mais volumosos – tendência dos bancos – o que tornará inócua
a linha de crédito da agricultura familiar e poderá ser um instrumento de
enriquecimento.
b) Suspensão imediata do
processo de cisternas de polietileno (plástico/PVC). Não se justifica, em
hipótese alguma, que o Estado Brasileiro opte por cisternas de R$ 5.000,00
(cinco mil reais) de custo, adquiridas de multinacionais, ao invés das
cisternas de placas que utilizam produtos adquiridos no mercado local, tem
tecnologia dominada pelos agricultores, utilizam mão-de-obra local, são mais
baratas (menos de 50% do custo das outras) e tem eficiência comprovada. Mais
ainda, isso não se justifica quando se dispõe no país de uma imensa malha de
organizações capazes de atuar nestas construções.
c) Limpeza de
aguadas e açudes, numa perspectiva de armazenamento das águas das chuvas que
virão.
d) Criação de um grande
programa de escavação de pequenos barreiros (familiares) voltados a dotar as
propriedades dos agricultores familiares de maior capacidade de captação e
armazenamento de água.
e) Implementar
as adutoras – ou serviços de água – previstos no Atlas de Águas do Nordeste
(Agência Nacional de Águas), dando prioridade àqueles considerados
emergenciais, definidas em consulta à sociedade civil.
f) Rever
a política de irrigação que demanda o dinheiro público e constrói canais para
grandes empresas, mas não abastece as populações com necessidades básicas de
consumo humano. É necessário lembrar que a Lei Brasileira de Recursos Hídricos
(9433/97) define que a disponibilidade de água deve priorizar o abastecimento
humano e a dessedentação dos animais.
É lamentável que o Governo
Federal não tenha tomado a si a urgente tarefa de realizar uma reforma agrária
no Semiárido, reforma esta adequada à sua realidade.
Convenhamos que sem o
acesso à terra, dificilmente os habitantes do Semiárido terão garantida sua
saída da situação de extrema pobreza em que se encontram.
É lamentável e inaceitável
que o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) não realize chamadas públicas
suficientes para dar cobertura aos agricultores do Semiárido, leve mais de um
ano para celebrar contratos com organizações classificadas nas chamadas públicas
e não leve a sério as chamadas existentes. Assim é que a maior parte das
chamadas do Semiárido está engavetada.
Outras secas
virão. A história continuará cobrando. Podemos passar para ela como cidadãos ou
vilões.
Este o nosso
dilema. Não podemos permitir, em hipótese nenhuma, que a seca que se apresenta e
agudiza, seja oportunidade ou justificativa para que deixemos de lado a linha
estruturante de convivência com o Semiárido, que reconhece nos agricultores os
sujeitos de suas próprias histórias e de suas mudanças, e enveredemos pelo
assistencialismo barato, desestruturador das pessoas e grupos, embora fácil de
realizar.
Semiárido
Brasileiro, maio de 2012
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