Transposição: Obra cara e longe do fim

Com menos de 4 km de trechos inaugurados, o projeto de transposição do Rio São Francisco é alvo de nova fiscalização do TCU. Pagamentos irregulares, superfaturamento e falta de fiscalização estão entre os problemas

Cinco anos depois de iniciada a construção dos 622 km de canais para a transposição do Rio São Francisco, e com menos de quatro quilômetros prontos, o Tribunal de Contas da União (TCU) prepara um relatório detalhado com a fiscalização dos contratos em andamento no eixo norte e leste das obras. Embora o documento seja confidencial e ainda tenha de ser lido pelo presidente do órgão, Benjamin Zymler, antes de se tornar público, o maior problema verificado pelo TCU está na diferença dos custos previstos no projeto básico do Ministério da Integração Nacional e os valores efetivos das obras.

Um exemplo é a escavação dos solos. Ao se deparar com a realidade da região, as empreiteiras acabaram gastando mais do que o previsto na licitação. No entanto, os órgãos de controle não permitem que os aditivos de contrato tenham um acréscimo superior a 25% do valor acordado inicialmente. Atualmente, dos 16 trechos previstos, 10 estão em atividade. Para regularizar a situação dos lotes parados, o ministério terá que rescindir os contratos e fazer novamente a licitação.

A lista de falhas inclui realização de despesas em desacordo com o plano de trabalho, fiscalização deficiente, irregularidades em processos de pagamentos, entre outros problemas. De acordo com o Ministério da Integração Nacional, essas situações são comuns por conta da complexidade do terreno. A pasta, inclusive, admite que esse foi o motivo para o aumento dos custos da obra. Até o momento, a construção já passou por três alterações de preço e o resultado final está estimado em R$ 8,2 bilhões.

Um dos acórdãos mais recentes publicados pelo TCU aponta novamente sobrepreço no edital lançado pelo Ministério da Integração para as obras do lote 5, que foi alvo de outra auditoria do órgão de controle em março deste ano. Na ocasião, o documento apresentou um sobrepreço de R$ 29 milhões — só os valores da areia estavam 143% acima do cobrado no mercado. Na nova análise, dos 33 serviços apreciados pelo órgão, 17 apresentaram irregularidades — especialmente em operações de terraplenagem – no montante de R$ 27.582.178,26, que corresponde a 94,84% do sobrepreço apurado.

Com tantos problemas, a obra de transposição, prorrogada para 2015, ainda causa polêmica. Eduardo Matos, promotor do Centro de Apoio das Promotorias do Rio São Francisco no Ministério Público Federal em Sergipe e professor de direito ambiental da Universidade Federal de Sergipe (UFS), garante que boa parte do que foi feito já se perdeu, principalmente por conta de problemas de erosão nos materiais utilizados. "Os canais já foram parcialmente desfeitos. É preciso sempre mais dinheiro", criticou.

Para João Abner, hidrólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o projeto de transposição do Rio São Francisco foi levado adiante para beneficiar grandes empreiteiras. "É um grande lobby. Todas as grandes empresas estão envolvidas. O projeto do governo federal é imaginário. Não vai levar água para a população do semiárido. A real questão é política", avaliou. Segundo o especialista, o governo federal nunca se propôs a participar de acareações para ouvir a opinião de especialistas contrários à obra.

Ações no Supremo

A transposição também é questionada em 14 ações que aguardam o voto do relator, o ministro Ricardo Lewandowski, no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas ainda não há previsão de julgamento. A promotora de Justiça Luciana Khoury, coordenadora do Projeto de Defesa do São Francisco do Ministério Público Federal na Bahia, explica que o projeto do governo federal apresenta inconsistências. Ela lembra que o Banco Mundial negou ao governo brasileiro uma solicitação de empréstimo alegando que projeto tinha "orientação comercial" e que a água poderia ser garantida através de soluções alternativas.

Considerada a maior obra pública em execução no Brasil nos últimos anos, a transposição do Rio São Francisco é defendida pelo governo federal como alternativa para cumprir a meta de universalização do acesso à água até 2016. Porém, a finalidade do projeto de "levar um caneco d"água para um nordestino que está passando sede", defendida pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2004, nunca deixou de ser contestada. O projeto prevê 70% da água para irrigação, turismo e criação de camarões com fins de exportação. Outros 26% serão para abastecer o meio urbano, onde estão as indústrias e somente 4% para a população difusa. De acordo com o Ministério da Integração, o público do semiárido será atendido por tubulações subterrâneas e por cisternas do programa Água para Todos.

Canais secos

O Exército entregou, na última quarta-feira, um canal de ligação com 2km e a Barragem de Tucutu, medindo 1,7 km, no município pernambucano de Cabrobó, mas ambos ficarão secos até pelo menos 2014 — quando outras obras garantirão que a água do Rio São Francisco chegue à estrutura inaugurada. São os primeiros trechos prontos do projeto de transposição, que começou em 2007 e tem custo total previsto em mais de R$ 8 bilhões. Somente a parte pronta, de menos de 4 km, teve investimento aproximado de R$ 120 milhões. A previsão é que, quando começar a receber a água, a Barragem de Tucutu consiga armazenar 25 bilhões de litros.

Repórter: PAULA FILIZOLA

Fonte: Correio Braziliense

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