Declaração do Encontro Nacional Unitário de Trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo das águas e das florestas
Documento
final do Encontro Nacional Unitário de Trabalhadores e Trabalhadoras,
Povos do Campo, das Águas e das Florestas, que se encerra nesta
quarta-feira (22), em Brasília, lembra encontro nacional de 1961 e
reafirma importância do fortalecimento do campesinato.
Este projeto, na sua essência, produz desigualdades nas relações fundiárias e sociais no meio rural, aprofunda a dependência externa e realiza uma exploração ultrapredatória da natureza. Seus protagonistas são o capital financeiro, as grandes cadeias de produção e comercialização de commodities de escala mundial, o latifúndio e o Estado brasileiro nas suas funções financiadora – inclusive destinando recursos públicos para grandes projetos e obras de infraestrutura – e (des)reguladora da terra.
3. a fortalecer a luta pela reforma agrária como bandeira unitária dos trabalhadores e trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas.
Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA)
Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF)
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
CARITAS Brasileira
Coordenação Nacional dos Quilombolas (CONAQ)
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Comissão Pastoral da Pesca (CPP)
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB)
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)
Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF)
FASE
Greenpeace
INESC Marcha Mundial das Mulheres (MMM)
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Movimento Camponês Popular (MCP)
Movimento das Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE)
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)
Oxfam Brasil
Pastoral da Juventude Rural (PJR)
Plataforma Dhesca
Rede Cefas
Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF)
SINPRO DF
Terra de Direitos
Unicafes
VIA CAMPESINA BRASIL
Fonte: CPT Nacional
Por Terra, Território
e Dignidade!
Após séculos de
opressão e resistência, “as massas camponesas oprimidas e exploradas”, numa
demonstração de capacidade de articulação, unidade política e construção de uma
proposta nacional, se reuniram no “I Congresso Nacional dos Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas sobre o caráter da reforma agrária”, no ano de 1961, em
Belo Horizonte. Já nesse I Congresso os povos do campo, assumindo um papel de
sujeitos políticos, apontavam a centralidade da terra como espaço de vida, de
produção e identidade sociocultural.
Essa unidade e
força política levaram o governo de João Goulart a incorporar a reforma agrária
como parte de suas reformas de base, contrariando os interesses das elites e
transformando-se num dos elementos que levou ao golpe de 1964. Os governos golpistas
perseguiram, torturaram, aprisionaram e assassinaram lideranças, mas não
destruíram o sonho, nem as lutas camponesas por um pedaço de chão.
Após décadas de
resistência e denuncias da opressão, as mobilizações e lutas sociais criaram
condições para a retomada e ampliação da organização camponesa, fazendo emergir
uma diversidade de sujeitos e pautas. Junto com a luta pela reforma agrária, a
luta pela terra e por território vem afirmando sujeitos como sem terra,
quilombolas, indígenas, extrativistas, pescadores artesanais, quebradeiras,
comunidades tradicionais, agricultores familiares, camponeses, trabalhadores e
trabalhadoras rurais e demais povos do campo, das águas e das florestas. Neste
processo de constituição de sujeitos políticos, afirmam-se as mulheres e a
juventude na luta contra a cultura patriarcal, pela visibilidade e igualdade de
direitos e dignidade no campo.
Em nova
demonstração de capacidade de articulação e unidade política, nós homens e
mulheres de todas as idades, nos reunimos 51 anos depois, em Brasília, no
Encontro Nacional Unitário de Trabalhadores e Trabalhadoras, Povos do Campo,
das Águas e das Florestas, tendo como centralidade a luta de classes em torno
da terra, atualmente expressa na luta por Reforma Agrária, Terra, Território e
Dignidade.
Nós estamos
construindo a unidade em resposta aos desafios da desigualdade na distribuição
da terra. Como nos anos 60, esta desigualdade se mantém inalterada, havendo um
aprofundamento dos riscos econômicos, sociais, culturais e ambientais, em
conseqüência da especialização primária da economia.
A primeira
década do Século XXI revela um projeto de remontagem da modernização
conservadora da agricultura, iniciada pelos militares, interrompida nos anos
noventa e retomada como projeto de expansão primária para o setor externo nos
últimos doze anos, sob a denominação de agronegócio, que se configura como
nosso inimigo comum.
Este projeto, na sua essência, produz desigualdades nas relações fundiárias e sociais no meio rural, aprofunda a dependência externa e realiza uma exploração ultrapredatória da natureza. Seus protagonistas são o capital financeiro, as grandes cadeias de produção e comercialização de commodities de escala mundial, o latifúndio e o Estado brasileiro nas suas funções financiadora – inclusive destinando recursos públicos para grandes projetos e obras de infraestrutura – e (des)reguladora da terra.
O projeto
capitalista em curso no Brasil persegue a acumulação de capital especializado
no setor primário, promovendo super-exploração agropecuária, hidroelétrica,
mineral e petroleira. Esta super-exploração, em nome da necessidade de
equilibrar as transações externas, serve aos interesses e domínio do capital
estrangeiro no campo através das transnacionais do agro e hidronegócio.
Este projeto
provoca o esmagamento e a desterritorialização dos trabalhadores e
trabalhadoras dos povos do campo, das águas e das florestas. Suas conseqüências
sociais e ambientais são a não realização da reforma agrária, a não demarcação
e reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas, o aumento da
violência, a violação dos territórios dos pescadores e povos da floresta, a
fragilização da agricultura familiar e camponesa, a sujeição dos trabalhadores
e consumidores a alimentos contaminados e ao convívio com a degradação
ambiental. Há ainda conseqüências socioculturais como a masculinização e o
envelhecimento do campo pela ausência de oportunidades para a juventude e as
mulheres, resultando na não reprodução social do campesinato.
Estas
conseqüências foram agravadas pela ausência, falta de adequação ou caráter
assistencialista e emergencial das políticas públicas. Estas políticas
contribuíram para o processo de desigualdade social entre o campo e a cidade, o
esvaziamento do meio rural e o aumento da vulnerabilidade dos sujeitos do
campo, das águas e das florestas. Em vez de promover a igualdade e a dignidade,
as políticas e ações do Estado, muitas vezes, retiram direitos e promovem a
violência no campo.
Mesmo gerando
conflitos e sendo inimigo dos povos, o Estado brasileiro nas suas esferas do
Executivo, Judiciário e Legislativo, historicamente vem investindo no
fortalecimento do modelo de desenvolvimento concentrador, excludente e
degradador. Apesar de todos os problemas gerados, os sucessivos governos – inclusive
o atual – mantêm a opção pelo agro e hidronegócio.
O Brasil, como
um país rico em terra, água, bens naturais e biodiversidade, atrai o capital
especulativo e agroexportador, acirrando os impactos negativos sobre os
territórios e populações indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e
camponesas. Externamente, o Brasil vem se tornando alavanca do projeto
neocolonizador, expandindo este modelo para outros países, especialmente na
América Latina e África.
Torna-se
indispensável um projeto de vida e trabalho para a produção de alimentos
saudáveis em escala suficiente para atender as necessidades da sociedade, que
respeite a natureza e gere dignidade no campo. Ao mesmo tempo, o resgate e
fortalecimento dos campesinatos, a defesa e recuperação das suas culturas e
saberes se faz necessário para projetos alternativos de desenvolvimento e
sociedade.
Diante disto,
afirmamos:
1) a reforma
agrária como política essencial de desenvolvimento justo, popular, solidário e
sustentável, pressupondo mudança na estrutura fundiária, democratização do
acesso à terra, respeito aos territórios e garantia da reprodução social dos
povos do campo, das águas e das florestas.
2) a soberania
territorial, que compreende o poder e a autonomia dos povos em proteger e defender
livremente os bens comuns e o espaço social e de luta que ocupam e estabelecem
suas relações e modos de vida, desenvolvendo diferentes culturas e formas de
produção e reprodução, que marcam e dão identidade ao território.
3) a soberania
alimentar como o direito dos povos a definir suas próprias políticas e
estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que
garantam o direito à alimentação adequada a toda a população, respeitando suas
culturas e a diversidade dos jeitos de produzir, comercializar e gerir estes
processos.
4) a
agroecologia como base para a sustentabilidade e organização social e produtiva
da agricultura familiar e camponesa, em oposição ao modelo do agronegócio. A
agroecologia é um modo de produzir e se relacionar na agricultura, que preserva
a biodiversidade, os ecossistemas e o patrimônio genético, que produz alimentos
saudáveis, livre de transgênicos e agrotóxicos, que valoriza saberes e culturas
dos povos do campo, das águas e das florestas e defende a vida.
5) a
centralidade da agricultura familiar e camponesa e de formas tradicionais de
produção e o seu fortalecimento por meio de políticas públicas estruturantes,
como fomento e crédito subsidiado e adequado as realidades; assistência técnica
baseada nos princípios agroecológicos; pesquisa que reconheça e incorpore os
saberes tradicionais; formação, especialmente da juventude; incentivo à
cooperação, agroindustrialização e comercialização.
6) a
necessidade de relações igualitárias, de reconhecimento e respeito mútuo,
especialmente em relação às mulheres, superando a divisão sexual do trabalho e
o poder patriarcal e combatendo todos os tipos de violência.
7) a soberania
energética como um direito dos povos, o que demanda o controle social sobre as
fontes, produção e distribuição de energia, alterando o atual modelo energético
brasileiro.
8) a educação
do campo, indígena e quilombola como ferramentas estratégicas para a
emancipação dos sujeitos, que surgem das experiências de luta pelo direito à
educação e por um projeto político-pedagógico vinculado aos interesses da
classe trabalhadora. Elas se contrapõem à educação rural, que tem como objetivo
auxiliar um projeto de agricultura e sociedade subordinada aos interesses do
capital, que submete a educação escolar à preparação de mão-de-obra minimamente
qualificada e barata e que escraviza trabalhadores e trabalhadoras no sistema
de produção de monocultura.
9) a
necessidade de democratização dos meios de comunicação, hoje concentrados em
poucas famílias e a serviço do projeto capitalista concentrador, que
criminalizam os movimentos e organizações sociais do campo, das águas e das
florestas.
10) a
necessidade do reconhecimento pelo Estado dos direitos das populações atingidas
por grandes projetos, assegurando a consulta livre, prévia e informada e a
reparação nos casos de violação de direitos.
Nos comprometemos:
1. a fortalecer
as organizações sociais e a intensificar o processo de unidade entre os
trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas,
colocando como centro a luta de classes e o enfrentamento ao inimigo comum, o
capital e sua expressão atual no campo, o agro e hidronegócio.
2. a ampliar a
unidade nos próximos períodos, construindo pautas comuns e processos unitários
de luta pela realização da reforma agrária, pela reconhecimento, titulação,
demarcação e desintrusão das terras indígena, dos territórios quilombolas e de
comunidades tradicionais, garantindo direitos territoriais, dignidade e
autonomia.
3. a fortalecer a luta pela reforma agrária como bandeira unitária dos trabalhadores e trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas.
4. a construir
e fortalecer alianças entre sujeitos do campo e da cidade, em nível nacional e
internacional, em estratégias de classe contra o capital e em defesa de uma
sociedade justa, igualitária, solidária e sustentável.
5. a lutar pela
transição agroecológica massiva, contra os agrotóxicos, pela produção de
alimentos saudáveis, pela soberania alimentar, em defesa da biodiversidade e
das sementes.
6. a construir
uma agenda comum para rediscutir os critérios de construção, acesso,
abrangência, caráter e controle social sobre as políticas públicas, a exemplo
do PRONAF, PNAE, PAA, PRONERA, PRONACAMPO, pesquisa e extensão, dentre outras,
voltadas para os povos do campo, das águas e das florestas.
7. a fortalecer
a luta das mulheres por direitos, pela igualdade e pelo fim da violência.
8. a ampliar o reconhecimento da importância estratégica da juventude na dinâmica do desenvolvimento e na reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.
8. a ampliar o reconhecimento da importância estratégica da juventude na dinâmica do desenvolvimento e na reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.
9. a lutar por
mudanças no atual modelo de produção pautado nos petro-dependentes, de alto
consumo energético.
10. a combater
e denunciar a violência e a impunidade no campo e a criminalização das
lideranças e movimentos sociais, promovidas pelos agentes públicos e privados.
11. a lutar
pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte e
desaparecimento forçado de camponeses, bem como os direitos de reparação aos
seus familiares, com a criação de uma comissão camponesa pela anistia, memória,
verdade e justiça para incidir nos trabalhos da Comissão Especial sobre mortos
e desaparecidos políticos, visando a inclusão de todos afetados pela repressão.
Nós,
trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas
exigimos o redirecionamento das políticas e ações do Estado brasileiro, pois o
campo não suporta mais. Seguiremos em marcha, mobilizados em unidade e luta e,
no combate ao nosso inimigo comum, construiremos um País e uma sociedade justa,
solidária e sustentável.
Brasília, 22 de
agosto de 2012.
Associação das Casas
Familiares Rurais (ARCAFAR)
Associação das
Mulheres do Brasil (AMB)Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA)
Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF)
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
CARITAS Brasileira
Coordenação Nacional dos Quilombolas (CONAQ)
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Comissão Pastoral da Pesca (CPP)
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB)
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)
Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF)
FASE
Greenpeace
INESC Marcha Mundial das Mulheres (MMM)
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Movimento Camponês Popular (MCP)
Movimento das Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE)
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)
Oxfam Brasil
Pastoral da Juventude Rural (PJR)
Plataforma Dhesca
Rede Cefas
Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF)
SINPRO DF
Terra de Direitos
Unicafes
VIA CAMPESINA BRASIL
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