Os alimentos que estão em risco de extinção no Brasil
Há cerca de 800
alimentos que correm o risco de sumir do mapa, de entrar em extinção mesmo,
como certos animais. Dezenas deles só no Brasil. Xavier Bartaburu, um dos grandes
repórteres de nossa geração, conhece o país de ponta a ponta. Agora, ele
está visitando comunidades brasileiras onde esses alimentos
são produzidos de forma artesanal e sustentável para contar suas histórias.
Garantir a preservação deles não é importante apenas por questões de
biodiversidade, mas também porque esses alimentos nos lembram como chegamos até
aqui e a nossa identidade.
Coma enquanto é tempo
Deixemos de lado a
ararinha-azul, por enquanto, e falemos da cagaita. E também da mangaba, do baru
e do berbigão. E de outras dezenas de alimentos brasileiros que, como os
bichos, correm igual risco de extinção. Afinal, comida, antes de ser refeição,
também é ser vivo. E, como tal, pode sumir do mapa antes mesmo que você saiba
de sua existência. Veja a cagaita, fruta do Cerrado aparentada com a pitanga:
enquanto ela não chega à sua mesa, os cagaiteiros vão sendo sumariamente
derrubados para dar lugar a pasto para o gado e lavouras de soja.
O fato é que existe um
patrimônio alimentar, tão valioso como ignorado, que há séculos consiste em
fonte de subsistência e identidade para milhares de comunidades tradicionais no
Brasil e no mundo. Ou seja, essa população não só mata a fome e extrai renda
desses alimentos como, em muitos lugares, faz da sua exploração uma expressão
própria de suas tradições culturais. É o caso, por exemplo, das quebradeiras de
babaçu do Maranhão, dos pescadores de Pirarucu no baixo Amazonas e dos índios
Sateré-Mawé, produtores de guaraná nativo.
Proteger a
biodiversidade alimentar seria, assim, uma maneira de também garantir a essas
comunidades o acesso aos recursos naturais dos quais dependem. Da mesma forma
que, com o devido apoio, as famílias podem estimular a produção e torná-la
viável comercialmente – nesse caso, a demanda do mercado ajudaria a preservar o
produto. Foi o que aconteceu no sertão baiano, de onde todo ano saem milhares
de potes de geleia de umbu para correr o mundo.
Essa, claro, é a parte
difícil. Afinal, quem quer saber de umbu num mundo onde quem dita as regras à
mesa são o agronegócio e a indústria alimentícia? Não bastasse o desprezo do
mercado, os pequenos produtores são ainda obrigados a conviver com a destruição
do habitat – como ocorre nos manguezais sergipanos, onde vive o caranguejo
aratu –, a dependência dos atravessadores e a falta de estímulo às gerações
mais jovens, irremediavelmente impelidas ao êxodo rural.
Por sorte ainda tem quem
goste de umbu ou de cagaita, e é desse pessoal que tem vindo o principal
incentivo aos pequenos produtores. São, basicamente, chefs e gourmets
empenhados em identificar, resgatar e divulgar sabores esquecidos ao redor do
mundo. Alguns agem por conta própria, mas muitos estão conectados à Fundação Slow Food para a Biodiversidade,
entidade criada há três décadas na Itália e que hoje tem mais de 100 mil
associados em 150 países.
Sua bandeira é a chamada
ecogastronomia, conceito que alia o prazer de se comer à consciência social e
ambiental. Para a Slow Food, a comida, para ser de qualidade, deve também ser
socialmente justa e ambientalmente limpa. Uma de suas ações nesse sentido é a
criação da Arca do Gosto, uma lista que tem por objetivo divulgar o patrimônio
mundial alimentar em vias de extinção.
Todos os produtos aqui
citados pertencem à Arca brasileira – são 24 no total. No mundo, a lista
ultrapassa os mil itens, da baunilha de Madagascar ao queijo da Transilvânia. A
ideia é que, uma vez na Arca, um ingrediente avive o interesse do público e do
mercado a ponto de estimular sua produção e, mais adiante, garantir sua
presença no planeta. Paladares exigentes agradecem.
Xavier Bartaburu -
Repórter
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