Reforma agrária, Tocqueville e a esquizofrenia das elites
Nenhum problema é mais revelador da
esquizofrenia das elites brasileiras do que a questão da terra. Nós, brasileiros,
que tanto prezamos campeonatos de todos os tipos, podemos nos constranger com
uma desonrosa posição de destaque: somos um dos líderes mundiais em
concentração fundiária.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
Gilson
Caroni Filho
"Eu defendo o direito de manifestação, esse direito é sagrado. Mas há momentos em que se abusa demais dele. O que eu vi hoje foi um desrespeito sem limites" Com essas palavras o deputado Benedito de Lira (PP-AL) definiu a ação de integrantes do Movimento Sem Terra (MST) que bloquearam a BR-314, em protesto contra a proibição de se manifestarem em Marechal Deodoro, município alagoano onde a presidente Dilma inaugurou uma nova fábrica da Braskem.
"Eu defendo o direito de manifestação, esse direito é sagrado. Mas há momentos em que se abusa demais dele. O que eu vi hoje foi um desrespeito sem limites" Com essas palavras o deputado Benedito de Lira (PP-AL) definiu a ação de integrantes do Movimento Sem Terra (MST) que bloquearam a BR-314, em protesto contra a proibição de se manifestarem em Marechal Deodoro, município alagoano onde a presidente Dilma inaugurou uma nova fábrica da Braskem.
O que denotam as palavras do
parlamentar? Nenhum problema é mais revelador da esquizofrenia das elites
brasileiras do que a questão da terra, particularmente o da Reforma Agrária.
Convém lembrar que as grandes inteligências nacionais, desde os anos 1930, têm
insistido que, enquanto o cerne do país for constituído pela lógica das grandes
propriedades, a democracia como forma de governo será, entre nós, uma simples
fantasia.
Nós, brasileiros, que tanto prezamos
campeonatos de todos os tipos, podemos nos constranger com uma desonrosa
posição de destaque: somos um dos líderes mundiais em concentração fundiária.
Cerca de 1% dos proprietários rurais detêm 46% das terras cadastradas. O toque
de ironia é que são os pequenos produtores sem terra (ou com muito pouca terra)
que abastecem o mercado interno, enquanto os créditos, subsídios e financiamentos
do Estado continuam, mesmo depois de quase 10 anos de governo progressista,
sendo monopolizados pelo agronegócio.
O contingenciamento de 70% das verbas
de custeio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
somado à acentuada redução do número de
assentamentos são indicadores preocupantes nos dois primeiros anos do governo
Dilma. Não há "Brasil Sem Miséria” sem reforma agrária efetiva. É preciso
romper com o tempo em que "Planos Nacionais", tantas vezes
remendados, na verdade significavam uma política de compromisso com os
latifundiários para tornar inexequível qualquer avanço.
A solução perversa para resolver o
problema consistia simplesmente em reduzir dramaticamente a população rural,
empurrada para as grandes metrópoles em ritmos sem precedentes. O resultado era
a proliferação de favelas, de periferias desassistidas e um exército de
semi-cidadãos entregues à própria sorte em cidades carentes de recursos e
equipamentos urbanos, um terreno fértil para proliferação de clientelismos que
entravaram gravemente o desenvolvimento da democracia.
Até a chegada de Lula à presidência, os
governos que o precederam optaram por não aceitar a reforma agrária. Preferiram
aceitar a imposição dos que gritam mais forte e que há mais de 500 anos dominam
o Brasil. Abandonaram o país moderno, do operário urbano e rural, dos pequenos
e médios proprietários, das classes médias e do empresariado progressista.
Escolheram o passado, no que ele tem de mais retrógado, no que ele preserva de práticas oligárquicas e excludentes.
Ignoram uma lição histórica de grande
valia: não há país capitalista que tenha deixado
de intervir decisivamente nesta questão. A Áustria dos canaviais e a França dos
bons vinhos são os exemplos mais aparentes onde o interesse social predominou
sobre o individualismo egoísta.
Se realmente pretendemos uma sociedade inserida em moldes mais equilibrados, necessitamos ter presente que não a alcançaremos sem uma reforma agrária que enterre seu bisturi diretamente nessas desigualdades. Inglaterra, Holanda, Suécia, Estados Unidos e França já o fizeram há séculos. Japão, Itália, México e outros países, mais recentemente. Isto sem pensar nos países socialistas, que intervieram na propriedade de terra no bojo de revoluções socialistas. E nós, quando o faremos? Ou vamos continuar ostentando os maiores latifúndios do mundo?
Se realmente pretendemos uma sociedade inserida em moldes mais equilibrados, necessitamos ter presente que não a alcançaremos sem uma reforma agrária que enterre seu bisturi diretamente nessas desigualdades. Inglaterra, Holanda, Suécia, Estados Unidos e França já o fizeram há séculos. Japão, Itália, México e outros países, mais recentemente. Isto sem pensar nos países socialistas, que intervieram na propriedade de terra no bojo de revoluções socialistas. E nós, quando o faremos? Ou vamos continuar ostentando os maiores latifúndios do mundo?
Nunca é demais lembrar que para um
partido que nasceu dos impulsos dos movimentos de massa, das greves e das lutas
populares, certas soluções de compromisso têm prazo de validade definido. Dar
ouvidos às ponderações de João Pedro Stédile, mantendo o diálogo permanente com
os setores organizados da sociedade, é reafirmar a crença na política como
atividade própria dos setores excluídos que querem participar, legal e
legitimamente, de todas as decisões da sociedade.
A burguesia não quer hoje a reforma
agrária, porque o Brasil, ao contrário do que ocorreu nos países citados, está
tentando se desenvolver mantendo intactas as estruturas do latifúndio. Mas
todas as classes e suas frações, não; pois sabem que sua sobrevivência e
dignidade dependem de um país igualitário, humano, solidário, dependendo isto
da intervenção decidida na questão da terra.
Como dizia oportunamente Tocqueville a
propósito da jovem democracia americana: "a arte de se associar se
desenvolve na exata medida em que as condições de igualdade crescem".
Certamente, a presidente conhece esse trecho, mas nunca é demais uma releitura
em momentos de turbulência.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
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