Dignidade rural
Dignidade rural
A reforma agrária pressupõe a democratização do
acesso à terra e estruturas que viabilizem a produção. Logo, é impossível dizer
que a reforma agrária não deu certo, pois ela não ocorreu
07/03/2013
Fernando Prioste
Dias atrás, o
ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República,
disse que alguns assentamentos do Incra são “quase favelas rurais”. Foi a deixa
que os opositores dos movimentos sociais do campo queriam para enterrar a
reforma agrária.
Contudo,
democraticamente a sociedade inscreveu na Constituição o marco legal da reforma
agrária. Assim, o dever de fiscalização do cumprimento da função social da
propriedade, e a consequente destinação das terras improdutivas, com danos
ambientais e violações às leis trabalhistas à reforma agrária, é decisão
política que a sociedade transformou em lei. Logo, se a Constituição não for
alterada, a reforma agrária é política pública obrigatória.
Não é apenas por
determinação da Constituição que a reforma agrária deve ser impulsionada. A
Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO), por exemplo, recomendam sua realização como
política pública para a erradicação da pobreza e efetivação de direitos humanos
como a alimentação adequada e a educação. Para esses órgãos, a concentração
fundiária e a ausência de políticas públicas de produção para a agricultura
familiar estão ligadas à pobreza e às desigualdades sociais.
Segundo o Censo
Agropecuário de 2006, o Brasil ocupa a segunda posição mundial na concentração
da terra, perdendo para o Paraguai. O índice de concentração fundiária apurado
em 2006 (0,872) aumentou ante aos apurados em 1985 (0,857) e 1995 (0,856). Até
o ano de 1985 existiam 67 assentamentos de reforma agrária, com 117 mil famílias
assentadas, totalizando 9,8 milhões de hectares incorporados à reforma agrária.
Hoje existem 8.792 assentamentos, com 921 mil famílias, totalizando 85 milhões
de hectares. Logo, mesmo com a expansão de assentamentos a concentração
fundiária aumentou.
Por outro lado, as
demandas por infraestrutura e assistência técnica não são exclusividade do MST.
Também são reivindicações dos grandes produtores. A diferença é que uns são bem
atendidos nesses reclamos há 500 anos, outros não. Que dizer do apoio histórico
do Estado ao setor da cana-de-açúcar? As reivindicações dos movimentos sociais
buscam consolidar uma política pública que, diferente daquelas
assistencialistas, cria estruturas para a emancipação socioeconômica.
Dados do Censo de
2006 mostram que a agricultura familiar representa 84% dos estabelecimentos
rurais, ocupando apenas 24,03% das áreas cultivadas, assim operando com renda
cerca de dez vezes menor que os estabelecimentos da agricultura não familiar.
Ainda assim, segundo o IBGE, a agricultura familiar produz a maior parte dos
alimentos consumidos no mercado interno (60%), com 74% do total da mão de obra
ocupada no campo.
A reforma agrária
pressupõe a democratização do acesso à terra e estruturas que viabilizem a
produção. Logo, é impossível dizer que a reforma agrária não deu certo, pois
ela não ocorreu. Quem se opõe a esse processo democrático não tem compromisso
com a Constituição e fomenta o aumento da desigualdade social. Ademais, se
ainda há diversidade alimentar na mesa, agradeça a uma agricultora familiar. Do
contrário, contente-se em comer milho, soja e carne nas três refeições.
Fernando
Prioste é advogado popular e coordenador da Terra de Direitos
--
_____________
Cristiane
Passos
Assessoria
de Comunicação
Comissão
Pastoral da Terra
Secretaria
Nacional - Goiânia, Goiás.
Fone:
62 4008-6406/6412/6400
“O
sistema só tolera / Dois tipos de componentes:/ Os tiranos que exploram
E
os subservientes. / Os que lutam por justiça / Serão sempre dissidentes.”
(Fábio
Mozart - cordel sobre Biu da Pacatuba - apelido de Severino Alves Barbosa, um
dos principais líderes das Ligas Camponesas na Paraíba).
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