“O branco
do açúcar que adoçará meu café nesta manhã [...] não foi produzido por mim,
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre”. Este trecho faz parte do
poema de Ferreira Gullar, recitado por Ricardo Cassundé, estudante de
Geografia e militante do Movimento Sem Terra (MST), para introduzir sua
palestra no painel de abertura da Reunião Ampliada do Fórum Cearense pela
Vida no Semiárido (FCVSA). O evento acontece em Limoeiro do Norte entre os
dias 04 e 05/07, com visita de intercâmbio nas comunidades atingidas pela
Barragem do Figueiredo.
Reforma Agrária e
Grandes Projetos é a temática central que conduziu o debate do
encontro. Cassundé conceituou a Reforma Agrária e enfatizou que no Estado
do Ceará há uma contra Reforma Agrária, caracterizada por uma precária
política de assentamento, reassentamento das famílias e alocação. “As
famílias são remanejadas para terras que não apresentam condições de
produção”, disse, acrescentando que não basta somente ter a terra, mas se
faz necessário garantir as condições de sobrevivência, por meio do acesso
ao crédito, infraestrutura, acesso à água, entre outros.
Referente aos grandes projetos do agrohidronegócio, o palestrante ressaltou
os impactos dos mesmos na realidade das comunidades rurais, em que famílias
são expropriadas de suas terras na esperança de receber uma boa indenização
e nova moradia, quando na prática recebem valores irrisórios (quando
recebem) ou moradias precárias, sem acesso a energia e água.
Ainda neste painel, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), representada por
Cícero Claudiano do Nascimento trouxe os dados dos conflitos agrários. De
acordo com o mesmo, o ano 2012 teve aumento expressivo do número de
conflitos por terra, água e questões trabalhistas, se comparado ao ano
anterior. Estima-se que o aumento foi de 42%. Foram identificados 1.354
conflitos no País, 195 famílias foram ameaçadas, 77 pessoas sofreram
atentados e 36 morreram. Claudiano acrescentou ainda que no Estado do Ceará
ocorreram cinco conflitos por terra e água.
Representando as comunidades rurais do Vale do Jaguaribe, contribuíram com
o debate as agricultoras Antônia das Graças e Ramira Freitas. Elas
relataram o sofrimento do povo com a construção da Barragem do Figueiredo.
“Há um alto índice de depressão entre os idosos. Nas agrovilas a vida é sem
vida, as pessoas ficam de cara pra cima”, denunciou Antônia das Graças,
ressaltando que a obra tem impactado negativamente a vida das famílias, por
tê-las reassentado em espaços sem infraestrutura adequada.
Diante da realidade apresentada, os/as participantes continuaram o debate
chamando a atenção para as estratégias adotadas pelo agrohidronegócio, que
se assemelham às diferentes regiões, entre elas a desmobilização. “Esses
grandes projetos tiram do povo até o direito de se reunir. Estamos vivendo
um holocausto social aqui no Semiárido”, denunciou Jader Silva, da
Cooperativa Mista de Trabalho, Assessoria e Consultoria Técnica Educacional
(Comtacte).
A denúncia de Jader foi também a de todos/as participantes do encontro. A
microrregião de Itapipoca compartilhou as consequências da carcinocultura.
Já Crateús falou da mineradora de Quiterianópolis e de Santa Quitéria.
Ibiapaba socializou os impactos sociais e ambientais causados pela
instalação dos parques eólicos. O Sertão Central denunciou os malefícios da
extração do urânio.
Esses grandes projetos retratam o modelo de desenvolvimento hegemônico, que
prioriza o lucro em
detrimento de todas as formas de vida.
Em contraposição a esse modelo, o Fórum Cearense tem construído estratégias
que fortalecem o processo de mobilização e organização das famílias rurais,
pelo acesso à terra e à água. O sofrimento das populações chega como clamor
e constitui-se como uma bandeira de luta constante, um compromisso coletivo
com a defesa da vida.
*Comunicadoras
populares da ASA-CE
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