Conflitos por água no Ceará: a fonte que não seca

Por Danielle Rodrigues da Silva – assessora da CPT Ceará
         
    Os atingidos e atingidas pelos conflitos de água no estado do Ceará, tem  provado  da  dura  e  concreta realidade do poderio do capitalismo sobre os territórios e recursos naturais cearenses.  A   permissão  e   até   o incentivo à apropriação dos recursos naturais, vêm sendo realizadas por meio de políticas desenvolvimentistas que    foram    alavancadas    pela introdução de capital no campo e tem servido para manter e aprofundar as estruturas de dominação e poder que o capital vem exercendo sobre o mundo e suas riquezas.
    No caso do estado do Ceará, a apropriação da água tem se consubstanciado numa prática cada vez mais comum, forjando a formação de novos territórios onde se observa a manifestação, o desejo e o poder político e econômico em detrimento das relações subjetivas que as comunidades mantiveram historicamente com seus territórios.
   Esse territórios que vêm se construindo, por um lado são atingidos diretamente pelo modelo de gestão altamente desenvolvimentista adotado no estado, mas por outro, tem desenvolvido a capacidade e poder de organização das comunidades e povos atingidos por meio das ações de resistência, gerando os conflitos. É assim que o número de conflitos tem aumentado nos últimos anos em função da organização dos movimentos populares (CPT, 2011), que apoia as organizações comunitárias em suas ações, incentivando-as a lutarem por seus direitos.
    Em 2013, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) notificou a ocorrência de 4 conflitos por água no Estado do Ceará, como mostra o quadro 01.

QUADRO 01- CONFLITOS POR ÁGUA NO CEARÁ 2013
MUNICÍPIOS
LUGAR
DATA
FAMILIAS
TIPODE CONFLITO
SITUAÇÃO DO CONFLITO
Amontada
Com. Caetano de Cima/ Assent. Sabiaguaba
10/09/2013
300
Apropriação particular
Ameaça de expropriação
Limoeiro do Norte/ Morada Nova
Projeto de irrigação Tabuleiro de Russas/DNOCS
25/09/2013
120
Barragens e açudes
Falta de projeto de reassentamento

Novo Oriente
Barragem Aguas Flor do Campo
31/07/2013
s/d
Barragens e açudes
Divergência
Potiretama/ Iracema/ Alto Santo
Barragem Figueiredo
22/10/2013
45
Barragens e açudes
Reassentamento inadequado
Total
4 conflitos
465 família
Fonte:
Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2013.

       Os dados notificados no quadro acima revelam que, no Ceará, os conflitos ocorridos em 2013 se deram principalmente por causa dos grandes empreendimentos hídricos como os açudes, os projetos de irrigação e a implantação de usinas eólicas para produção de energia, que fazem parte de uma política de modernização do Estado, que se intensificou a partir do “Governo das Mudanças”.  A seca ainda tem sido utilizada para justificar a implantação de ambiciosos programas hídricos, pensados principalmente como instrumentos não só para atrair indústrias, mas fundamentalmente para dar suporte a essas indústrias (MONTE, 2005, p.332).
Em Amontada, os conflitos fundiários se deram com o assentamento Sabiaguaba que possui 330 famílias. No primeiro semestre de 2013, empresas envolvidas na construção do Parque Eólico de Icaraí foram denunciadas ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais não renováveis (IBAMA) por retirar água da lagoa (na área do assentamento) para a construção das estradas de acesso ao empreendimento. Os moradores do assentamento derrubaram as cercas colocadas ao redor do açude por conta própria, uma vez que não viam atuação eficiente do Estado para resolver a questão.
Já em Tabuleiro de Russas, os conflitos que se deram ocorreram em função da falta de projetos de reassentamento para as 120 famílias impactadas com o desenvolvimento do projeto de irrigação Tabuleiro de Russas (CE). Essas, aliás, tem sido uma marca na vida das comunidades desapropriadas, que ainda convivem no entorno dos grandes projetos de irrigação nas regiões do Jaguaribe-Apodi (CE), Baixo Acaraú (CE), Baixo Assu (RN) e Santa Cruz do Apodi (RN).
No Ceará as barragens não estão voltadas à produção de energia elétrica, mas têm afetado diretamente a população, cujos atingidos tem contado com o apoio do MAB na tentativa de garantir um processo de desterritorialização menos impactante (se isso for possível). As indefinições quanto ao futuro das comunidades e povos atingidos, quanto aos objetivos dos empreendimentos e/ou quanto à garantia de indenização justa e acesso aos recursos hídricos têm provocado muitos conflitos na questão das águas no Ceará. Como observamos nos casos abaixo:
Em Novo Oriente, a disputa pela água da barragem Águas Flor do Campo utilizadas para abastecimento, localizado neste município, colocou em pé de guerra a população de três municípios do sertão cearense, envolvendo Crateús, Novo Oriente e Quiterianópolis. O açude que já abastecia a cidade de Novo Oriente por adutora e Quiterianópolis por carros-pipas. Em tempos de emergência, deveria suprir as necessidades também de Crateús. Alegando que o açude continha apenas 15% da sua capacidade, os dois primeiros se uniram para evitar que isso ocorresse, levando inevitavelmente ao conflito.
Outra barragem que tem gerado conflitos há algum tempo é a barragem Figueiredo. Em 2013, 45 famílias foram atingidas por projetos de reassentamento completamente inadequados às necessidades das famílias agricultoras. As comunidades atingidas tem se organizado para reivindicar o atendimento às suas necessidades, pois as políticas hídricas do estado não tem priorizado a garantia de reprodução social dos atingidos pelo açude, denotando mais uma vez o modelo de desenvolvimento que a gestão está perseguindo.
Além da construção de barragens e açudes que foram os principais elementos causadores de conflitos em 2013, outros fatores são recorrentes quando se trata da ocorrência de conflitos por água no Ceará, dentre eles: a falta de acesso aos recursos, a apropriação da água e da terra, o cercamento dos açudes, a apropriação dos territórios, os deslocamentos compulsórios, a prioridade do uso da água para o agronegócio e a superexploração do trabalho. Estas situações revelam o emaranhado de relações sociais que expressam relações desiguais de apropriação dos recursos, e por consequência, de poder.

Referências:

CANUTO, Antônio; et al. (Orgs.).  PT. Conflitos no Campo – Brasil 2013. Goiânia: CPT Nacional, 2014.
MONTE, F. Silvania de S. O Uso e o Controle das águas no processo de Modernização do Estado do Ceará: o caso da Barragem Castanhão. 2005. 388f. Tese de doutorado (Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2005.
Retomada contra a especulação imobiliária - zona costeira realiza grito dos excluídos em Caetanos de Cima, Amontada, Ceará. Disponível em: <http://www.portaldomar.org.br/blog/portaldomar-blog/categoria/noticias/retomada-contra-a-especulacao-imobiliaria-zona-costeira-realiza-grito-dos-excluidos-em-caetanos-de-cima-amontada-ceara>. Acessado em 14 de maio de 2014.


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Danielle Rodrigues da Silva é doutoranda em Geografia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Possui Mestrado no Programa Regional de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente - UFC (2008). É Licenciada e Bacharel em Geografia pela Universidade Federal do Ceará (2006 e 2010). Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Humana e Ensino de Geografia, atuando principalmente nos seguintes temas: Metodologia Científica, Geografia Humana, Geopolítica, Meio Ambiente, Ensino de Geografia e Educação Ambiental.



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