Carta aberta da CPT à Presidenta Dilma Rousseff
Para a Sra. Presidenta da República Dilma Rousseff
Excelentíssima Senhora,
A Comissão Pastoral da
Terra, CPT, reunida em Conselho Nacional, em Luziânia-GO, entre 27 e 29 de
outubro de 2014, dirige-se respeitosamente a V. Excia. para, em primeiro lugar,
parabenizá-la pela reeleição
e desejar-lhe um
novo mandato profícuo
e benéfico para toda a nação brasileira, de modo especial para os menos
favorecidos, já que foram estes a maioria dos que a reelegeram. Por isso
merecem uma atenção toda especial de sua parte.
Atendendo à sua abertura e
solicitação para o diálogo, expresso em seu primeiro pronunciamento após a
vitória nas eleições, queremos apresentar-lhe situações e questões nacionais
que passaram ao largo de toda a campanha eleitoral e que, agora, forçosamente,
se tornam em alertas e reivindicações.
São situações, questões e reivindicações dos povos dos campos, das águas
e das florestas com quem a CPT atua e apoia.
A Senhora ao assumir a
presidência jurou, e novamente vai jurar, defender e aplicar a
Constituição Federal. Esta, em seu artigo 184, diz que “compete à
União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel
rural que não esteja cumprindo sua função social”. Constatamos que, sobretudo
em seu mandato atual, no que exige este artigo, a Constituição foi tratada como
letra morta, pois foi efetuado o menor número de desapropriações dos últimos 20
anos. Também não foi feita a retomada
das áreas devolutas e da União que estão nas mãos de grileiros. Atribuímos isso
à total falta de interesse político de seu governo em relação a este tema. São
claramente privilegiados os interesses de grupos ruralistas que estão entre os
principais que sempre comandaram e desmandaram sobre este país.
Estes grupos, alinhados ao
modelo desenvolvimentista predador, estão entre os responsáveis pela devastação
ambiental dos nossos biomas, com o desmatamento e a utilização intensiva de
agrotóxicos que suprimem a proteção vegetal e contaminam solos, águas, ar e
trabalhadores e trabalhadoras. Provocam ainda o secamento e morte de nascentes
e rios, e o rebaixamento de lençóis freáticos e aquíferos. A destruição dos
Cerrados compromete a segurança hídrica atual e futura, o que já se evidencia
na crise de abastecimento de várias regiões do país, que não se pode atribuir
simplesmente à falta de chuvas. Ao se expandir para a Amazônia, este modelo
chega à última fronteira, agrava a crise ecológica e nos põe a temer ainda mais
pelo futuro...
Seu governo e os do
Presidente Lula, tidos como “populares”, nos quais – acreditava-se – fariam a
diferença, em relação aos anteriores, para os povos do campo, acabaram se
submetendo às exigências econômicas e políticas do agronegócio e deixaram
milhares e milhares de famílias em situações mais que precárias, desumanas, em
acampamentos à beira de estradas.
Senhora Presidenta, a
retomada da Reforma Agrária, ressignificada, efetiva e melhorada, é uma medida
mais que urgente que seu novo governo deve tomar, pois ela irá melhorar os
índices da produção familiar, que já é responsável por 70% dos alimentos
consumidos no País. Uma política de maior apoio aos camponeses e camponesas das
várias categorias existentes no País, potencializará uma produção alimentar
qualitativamente diferente, saudável e harmônica com os bens da terra. Os
programas de seu governo – Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Política
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) –
provam a eficácia
da agricultura familiar,
responsável principal pela saída do Brasil do mapa mundial da fome, segundo a ONU
em recente relatório.
Outro dispositivo
constitucional, que deve ser aplicado com firmeza e determinação e com a maior
urgência, é o Art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT), que diz que “a União concluirá a demarcação das terras indígenas no
prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. Passaram-se 26
anos e a maior parte das terras indígenas ainda não foi demarcada. E o mais
lamentável é que seu governo tenha determinado a suspensão da identificação das
Terras Indígenas, propondo “mesas de conciliação”, que são uma forma de reduzir
ou mesmo eliminar o direito à terra dos povos e comunidades, pois, como bem se
sabe, “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”... Dezessete decretos de homologação de Terras
Indígenas estão sobre sua mesa só aguardando sua assinatura, Presidenta! Outros
tantos estão sobre a mesa do Ministro da Justiça para encaminhamento. Isso demonstra a falta de sensibilidade em
relação a esta causa, que é de todos nós. A isso se soma a tentativa de retirar
da FUNAI a competência para a identificação e demarcação dos territórios
indígenas, repassando-a a órgãos que pouco ou nada sabem da realidade e
história indígenas. Com isso crescem os
conflitos, carregados de violência, com aumento do número de assassinatos e que
colocam os primeiros habitantes deste País numa situação de inferioridade, a
perpetuar o massacre da época colonial.
O mesmo acontece em relação
aos quilombolas. O artigo 68 das ADCT dispõe que “aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a
propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
No seu primeiro mandato, esta determinação também não foi praticamente
efetivada, fazendo crescer o número de conflitos envolvendo estas comunidades.
Os interesses do agronegócio
– com suas monoculturas de soja, cana de açúcar, gado, eucalipto e outros –, o
das mineradoras e a aposta em grandes projetos como o de construção de
barragens e outras obras de energia, se sobrepõem aos direitos dos povos
indígenas, das comunidades quilombolas, das comunidades de fundo e fecho de
pasto, dos pescadores artesanais, dos faxinalenses, dos extrativistas e de
outras comunidades tradicionais, e até de assentados e assentadas da reforma
agrária, que são expulsos da terra com o consequente desenraizamento das
famílias.
Senhora Presidenta, os
conflitos e a violência, inclusive com assassinatos de camponeses e camponesas,
130 no seu governo, conforme os dados registrados pela CPT, acobertados pela impunidade, só tenderão a crescer
se mantiverem a inoperância e a corrupção
em muitos órgãos governamentais, ao par
do que fazem ou deixam
de fazer o Legislativo
e o Judiciário.
O INCRA, a Fundação Cultural Palmares, além da FUNAI, devem ser
fortalecidos, aprimorando os seus quadros e sua atuação.
Outra situação que merece especial atenção da
sua parte é a dos trabalhadores e trabalhadoras submetidos à condição análoga à
de escravos. Neste sentido lembramos que a Senhora assinou a Carta-Compromisso,
proposta pela Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho
Escravo (CONATRAE), de
garantir a continuidade
e a intensificação do
combate ao trabalho
escravo, especificamente de
que não haja nenhum retrocesso na legislação vigente.
A CPT também se preocupa com
a educação no e do campo. Milhares de escolas rurais têm sido fechadas, nos
últimos anos, obrigando estudantes a longas viagens para longe de seu meio. Com
isso a eles e elas se oferece uma educação descontextualizada que favorece o
êxodo rural e o esvaziamento do campo.
Muitas outras escolas que se mantêm abertas estão em condições mais que
precárias. Senhora Presidenta, é urgente uma política educacional voltada para
a permanência das famílias no campo, com o fortalecimento das Escolas Família
Agrícola (EFAs), das
Casas Familiares Rurais,
das escolas indígenas, das escolas quilombolas e outras do gênero.
Senhora Presidenta, podemos esperar de sua
parte uma atuação ativa para garantir aos povos dos campos, das águas e das
florestas seus direitos constitucionais, sobretudo de acesso às terras e aos
territórios que historicamente lhes pertencem e dos quais foram esbulhados? Ou
vamos continuar assistindo a uma atuação de cunho colonialista, que vê nestes
povos e comunidades simplesmente “entraves ao desenvolvimento”, ao “crescimento”?
Esperamos de V. Excia. um
governo renovado, mais comprometido com as
causas populares, que
estavam na origem
de seu partido.
De nossa parte conte com este nosso apoio: continuar ao lado dos
camponeses e camponesas do Brasil, em suas lutas e esperanças.
Luziânia, 29 de outubro de 2014.
Dom Enemésio Lazzaris
Presidente.
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