Mineração na caatinga: o pesadelo das comunidades rurais
“A verdade é simples e direta: extratoras de minerais e empreiteiras
atuam de forma ditatorial quando implantam seus projetos no interior do país”.
Veja a matéria completa:
(Por Najar Tubino, da Carta Maior)
Raimundo Dias da Silva Santos mora em Campo Alegre de Lourdes, a 799 km
de Salvador, região do semiárido baiano, onde o IBGE registra o maior número de
estabelecimentos da agricultura familiar – 665.680 – no país. Seu Raimundo é o
exemplo das mudanças que vêm ocorrendo no semiárido nos últimos anos, com as
políticas públicas implantadas pelo governo federal e executadas pela ASA. A
família conta com cisterna que capta água da chuva e uma cisterna de produção,
que viabiliza a criação de animais, principalmente cabras. Ele recebe
assistência técnica do Instituto da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA),
que atua no semiárido da Bahia há 25 anos. Vivendo há 40 anos em Campo Alegre
de Lourdes, considera a caatinga um lugar bom para se viver, desde que se
aprenda com a convivência.
Porém, nos últimos anos uma série gigantesca de investimento tem
assolado o mesmo semiárido. Pode ser uma contradição histórica, mas uma terra
que exige muito sacrifício para as famílias de agricultores e camponeses
viverem, é muito rica em minerais. A Bahia pretende ser o terceiro polo mineral
do país e já recebeu mais de cinco bilhões de reais em investimentos. Em Campo
Alegre de Lourdes, o Grupo Galvani explora fosfato, que é um dos componentes
dos fertilizantes químicos, como fonte de fósforo. O Grupo Galvani tem uma
fábrica em Luis Eduardo Magalhães território da soja, do algodão e milho do
agronegócio. As minas ficam onde estão as comunidades rurais, como a do seu
Raimundo, a Lagoa do Boi. A região é o semiárido, onde chove no máximo 700 mm
por ano. E as extratoras de minerais precisam de muita água.
Água do açude para lavar o minério
A Ferbasa explora cromo em Andorinhas, onde o DNOCS tem um açude, que
segundo a empresa foi construído levando em conta as atividades da empresa. No
ano passado o açude estava com 30% da sua capacidade – 13 milhões de litros -,
em consequência de três anos de seca. Mais de 100 famílias dependem da pesca do
açude, que também serve de fonte para os animais. Houve protesto das
comunidades, que exigiam uma menor captação da água, pois a prioridade, pelo
menos teoricamente, deve ser saciar a sede dos humanos. A empresa expediu um
comunicado dizendo que usaria das prerrogativas da outorga concedida pela
Agência Nacional de Águas válida até 2021, e que a água é indispensável para o
funcionamento da empresa, dos empregos, dos 2% de receita que o município
recebe, entre outras coisas.
Campo Alegre de Lourdes estabeleceu o dia 19 de setembro como o dia de
luta contra a mineração e todos os anos fazem uma caminhada até o Morro Tuiuiú,
cobiçado pelas extratoras, que já identificaram a existência de ferro e vanádio
no Morro da Carlota. Cromo, vanádio e níquel, também explorado na Bahia, servem
para os processos de industrialização do aço e são fundamentais no aço
inoxidável. O cromo é um mineral classificado como cancerígeno há muitos anos e
a população de Andorinha, onde funcionários aposentados e familiares reclamam
das doenças no pulmão, na coluna e outras, sofre isso cotidianamente. O Brasil
registrou em 2014 mais de 576 mil casos de câncer e nos próximos cinco anos
este número deverá aumentar 38%.
Impacto da exploração do urânio
Entretanto, ocorrem problemas muito mais graves e que se arrastam por
duas décadas envolvendo a mineração de urânio em Caetité, a 750 km de Salvador,
na mesma caatinga. Uma jazida considerada pelas Indústrias Nucleares Brasileira
(INB)- uma estatal ligada ao Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação, que
explora o minério desde o ano 2000 na região – com potencial de 100 mil
toneladas. A mina fica no distrito de Maniaçu, a 12 km da cidade, onde vivem
oito comunidades rurais. A INB é uma empresa estatal, controlada pela Marinha,
e é óbvio que funciona como era na época da ditadura. Ou seja, nunca ouviu as
queixas e reivindicações das comunidades rurais a respeito de poluição
atmosférica, vazamento de material tóxico, problemas de saúde.
A FIOCRUZ fez um estudo sobre a poluição do urânio em Caetité juntamente
com o CRIIAD, um laboratório francês que atua de forma independente. É um
projeto internacional que trata dos impactos sofridos por comunidades atingidas
pela exploração do urânio no mundo, elaborado pela Universidade Autônoma de
Barcelona. No estudo, apresentado em 2013, os pesquisadores relataram dados
sobre contaminação da radiação Gama 2,5 a 10 vezes acima do permitido em duas
comunidades perto da mina. Na verdade, desde a implantação da empresa, que
produz o concentrado de urânio (yellowcake), depois será beneficiado no
exterior e voltará como combustível das usinas de Angra dos Reis, foram registrados
mais de 10 tipos de acidentes.
Comunidades tiveram que registrar casos de câncer
A verdade é simples e direta: extratoras de minerais, assim como
empreiteiras atuam de forma ditatorial quando implantam seus projetos no
interior do país. Elas fazem o discurso que tratam bem as comunidades,
dialogam, a INB tem um centro de visitação em Caetité – cidade com 50 mil
habitantes-, mas não tratam dos impactos causados pela exploração do urânio. As
comunidades tiveram que procurar as famílias cujos parentes tiveram câncer – 21
casos -, sendo 17 mortes. Tudo para servir de argumentação e comprovar a
morbidade e mortalidade do urânio, fato extremamente comprovado mundo afora.
Não adianta ter centro de visitação e não ter uma unidade de Vigilância em
Saúde. Outro ponto fundamental: a mesma empresa que extrai o urânio, ou seja,
quebra as pedras, lava e depois retira a parte nobre para fazer o concentrado,
também faz a gestão ambiental. A fiscalização fica por conta da Comissão
Nacional de Energia Nuclear, também um órgão vinculado ao MCTI, ou seja, não
tem vigilância e fiscalização independente. Mais: as 400 toneladas anuais
produzidas de concentrado de urânio são enviadas para a França pelo porto de
Salvador via terrestre.
O pesadelo das comunidades não acaba. As extratoras também descobriram
uma jazida de fosfato com urânio em Santa Quitéria, município cearense a 270 km
de Fortaleza. Foi formado um consórcio entre o grupo Galvani e a INB e as
atividades já iniciaram. No final do ano passado o IBAMA fez três audiências
públicas sobre o caso na região. Lá os membros das empresas fizeram um relato
sobre o empreendimento, da segurança, da tecnologia e não falam nada sobre
riscos e cuidados com a população. No Ceará criaram a Articulação Antinuclear,
formada por MST, Núcleo Tramas da Universidade Federal do Ceará, a CPT e a
Cáritas.
IBAMA requer ajustes há cinco anos
Sobre o IBAMA chama a atenção para a Licença de Instalação concedida no
dia 22 de abril de 2015 para a INB continuar e expandir suas atividades em Caetité,
agora no distrito de Lagoa Real – na verdade é um município. A mina do distrito
de Maniaçu deve ter esgotado, porque as explorações de urânio no Brasil duram
15 anos, baseado nos casos existentes até agora. Registra o órgão:
“- A solicitação de adequação de alguns programas ambientais em execução
na unidade, como a revisão dos programas de Monitoração Ambiental Operacional,
de gerenciamento de Resíduos Sólidos, de Inspeção Regional, entre outros. A
citada revisão representa ajustes que o IBAMA tem requerido ao empreendedor nos
últimos cinco anos e objetiva dar maior robustez à gestão ambiental do
empreendimento. Vale lembrar que essa revisão não representa o ponto final das
melhorias entendidas como naturais e necessárias para o empreendimento”.
A INB sempre nega a contaminação
Desde o início da exploração em Miniaçu passaram 15 anos. As comunidades
sempre reclamaram da poluição, principalmente da contaminação da água. Os
órgãos ambientais nunca deram acolhida às reivindicações. A INB diz que
monitora 150 poços e que estão dentro dos padrões aceitáveis pelo Ministério da
Saúde e do CONAMA. Qual o valor disso? Nenhum, principalmente porque a empresa
já manipulou uma pesquisa da FIOCRUZ para assegurar que o urânio não causa
contaminação no ambiente e risco à população.
O problema ainda vai se agravar em Caetité com as operações da Eurasian
Natural Resources Corporation, empresa do Cazaquistão, com sede em Londres, que
no Brasil atua como Bahia Mineração e vai explorar uma jazida de 400 milhões de
toneladas no município baiano. O plano é levar o ferro por via ferroviária até
o Porto de Ilhéus, onde a Bamin terá um terminal exclusivo, com pátio para
trabalhar o mineral, numa região turística.
Pior do que tudo isso ainda é o caso de Poços de Caldas, sul de Minas
Gerais, onde a INB explorou urânio até 1995 e fechou a mina – descomissionou
como se diz na linguagem do neolibelê –deixando acumulado 17 milhões de
rejeitos radioativos, sem contar a terra revolvida que é separada para tirar o
que interessa. Mineração envolve sempre muita água e terra esbagaçada, além do
buraco. No caso do urânio a exploração é a céu aberto.
Situação dos rejeitos radioativos é um mistério
A situação dos rejeitos radioativos de Poços de Caldas, a primeira mina
de urânio do Brasil, iniciada em 1982, no final da ditadura, é um mistério que
não consegui esclarecer. Uma informação oficial de junho de 2013 dava conta da
venda de 15 milhões de toneladas de rejeitos para a China, pela empresa Global
Green Energy Science e Technology, que voltariam ao Brasil tratados e reaproveitados
como matéria prima. Não existe informação sobre rejeitos radioativos de Poços
de Caldas nem no site da INB e nem do MCTI.
A caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, tem uma sina de
sofrimento e espoliação secular e agora na modernidade ainda vai pagar mais
esta conta, em nome do desenvolvimento e do progresso. Os rejeitos de Poços de
Caldas contém tório e rádio, dois minerais associados ao urânio. Um tem uma
meia-vida de 75 mil anos e outro de 1600 anos. O urânio é usado pelos paleontólogos
para definir a idade de alguns extratos bilhões de anos, porque a meia-vida
dele dura 4,5 bilhões, ou seja, o tempo da existência do planeta. Nenhuma
extratora do mundo tem solução para rejeito de exploração de urânio, nem usina
nuclear sabe o que fazer com o combustível já usado. Esta é uma tecnologia
primária, que usa um combustível explosivo e destruidor. O urânio enriquecido
esquenta a água, que ferve e depois aciona as turbinas e estas produzirão
energia elétrica.
A semana mundial do meio ambiente é comemorada no início de junho, é a
temporadas das empresas choramingarem pela necessidade de detonar o planeta e
mostrar seus projetos de educação ambiental e plantio de mudas.
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