Padre Júlio Lancelotti: “É preciso pensar no coletivo, a Terra é nossa casa comum”




O padre Júlio Lancelotti, conhecido por seu trabalho em prol dos moradores de rua, concedeu entrevista ao jornal alemão Deutsche Welle.

Coordenador da Pastoral do Povo da Rua em São Paulo, o pároco falou sobre a ligação que recebeu do papa Francisco, parabenizando-o pelo trabalho, e comentou os desafios que tem enfrentado ao lado da população de rua em meio à pandemia. “É preciso pensar no coletivo, a Terra é nossa casa comum”, diz.

DW: O senhor já tinha falado com o papa Francisco antes do último telefonema?

Padre Júlio Lancellotti: Não, nunca tinha falado com ele. Tinha trocado algumas correspondências, apenas, respondidas sempre pela nunciatura apostólica e a Secretaria de Estado da Santa Sé. Sempre são respostas formais, mesmo que algumas em tom pessoal, assinadas pelos secretários. Desta vez, eu tinha mandado algumas fotos do trabalho na pandemia e informações sobre essa situação que vivemos agora e envolve a população de rua também. Eu desejava muito falar com ele, mas não esperava que ele ligasse. Quando ligou, não reconheci de imediato, porque o número não estava identificado. Ele perguntou: “padre Júlio?” e, quando confirmei, prosseguiu: “parla italiano o habla castellano?” Respondi: “due”, e então ele se apresentou, “sono Papa Francesco”. Levei um susto, me surpreendi, e disse “Santitá!”. Só aí reconheci que era ele.

Como foi a conversa? Quais assuntos foram abordados?

Ele começou dizendo que viu as fotos, além do que eu escrevi, que agradecia muito e que sabe quanto é difícil a nossa missão. Então, perguntou como era o meu dia. Expliquei para ele tudo o que nós fazemos, e que isso é um instrumento cujo objetivo principal é conviver. Ele falou: “É isso mesmo. Faça sempre como Jesus fez, conviva com os pobres. Não desanime, não desista, continue firme.” Ele pediu para que eu dissesse aos irmãos de rua que os ama muito, tem muito carinho por eles, e que pedia as suas orações, pois reza por eles todos os dias. Por fim, pediu que eu rezasse por ele e me deu a sua benção. (…)

Qual balanço o senhor faz do trabalho realizado junto à população de rua durante a pandemia?

No começo, foi bastante complicado, porque nossa relação é de convivência. Foi muito desafiador para nós e para eles entender tudo o que estava acontecendo. Naquele início, era difícil até conseguir máscara e álcool em gel suficientes, acesso à água potável, ou meios de higienizar as mãos. No começo, havia inclusive uma ameaça de que a população de rua poderia ser toda dizimada, atingida, então foram abertos abrigos de emergência. Foram momentos muito difíceis, de muita descoberta e aprendizagem. Havia a ação dos consultórios de rua, medindo a temperatura de todos, vendo quem estava com sintomas, respondendo às questões que despertavam medo, como o que significava ficar em casa para quem vive na rua. Foram imensos os desafios. É uma população que aumentou nesse período e teve a situação agravada. (…)

O senhor acredita ainda ser possível construir um mundo mais humanitário?

Isso a gente ainda não sabe. A encíclica do papa diz: ninguém vai se salvar sozinho. Então, o mundo tem que pensar no coletivo, na diversidade, e não na uniformidade, mas numa unidade que leve em conta que a Terra é nossa casa comum. Não terão alguns que se salvarão, e outros não. Todos nós vamos participar dessa mesma aventura.

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